Por Henrique Santana e Thiago Gabriel
Fotos: André Zuccolo e Murilo Salazar
Foi mais um ato recheado de bombas disparadas pela Tropa de Choque da Polícia Militar. Nessa quinta-feira, 1˚ de setembro, o segundo ato convocado em São Paulo contra Michel Temer (PMDB), desde a oficialização do peemedebista na presidência, acabou novamente reprimido pela PM. É a quarta manifestação consecutiva com confrontos na capital paulista.
A concentração começou às 18h na Avenida Paulista. O perfil dos manifestantes, no entanto, mudou em relação à grande maioria dos atos que vinham sendo convocados contra o impeachment de Dilma Rousseff. Desde segunda-feira (29), ainda nas vésperas da votação pela cassação do mandato de Dilma no Senado, as manifestações passaram a ganhar um engajamento mais jovem e de grupos mais radicalizados, como os adeptos da tática black bloc. Foi também a partir de segunda que a repressão policial se intensificou.
Os atos, até o dia 29, vinham sendo organizados pela Frente Povo sem Medo, “composta por mais de 30 movimentos nacionais, focada em mobilizações contra o ajuste fiscal e o conservadorismo”, como descreve a página do grupo. Entre eles estão movimentos tradicionais de moradia, como MST (Movimento Sem Teto) e MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto), e centrais sindicais, como a CUT (Central Única dos Trabalhadores).
Nos atos de terça, quarta e no desta quinta-feira, a organização da manifestação se deu de forma mais espontânea, convocada por usuários do Facebook e sem vinculação direta com algum movimento.
A atitude truculenta da polícia durante a semana lembrou a repressão das manifestações que desencadearam a explosão dos protestos pela tarifa em junho de 2013 e a sistemática repressão ao movimento dos secundaristas em São Paulo. Nos atos contra o impeachment, isso não vinha acontecendo até a onda de brutalidade da PM que tomou conta da cidade esta semana.
A vítima mais grave da repressão policial foi a estudante Deborah Fabri, que perdeu a visão do olho esquerdo após ser atingida por uma bala de borracha no protesto de quarta-feira. Além dela, dezenas de pessoas ficaram feridas, fotógrafos foram agredidos, detidos e tiveram seus equipamentos quebrados pela PM. Manifestantes também relataram ofensas morais vindas dos policiais, com xingamentos constantes direcionados a quem participava dos atos.
Nessa quinta-feira, o contingente policial estava ainda maior do que nos últimos atos. O número de manifestantes, no entanto, era inferior ao de quarta-feira. As bombas começaram a voar na região central de São Paulo depois que alguns manifestantes atearem fogo em uma caçamba na avenida Nove de Julho. A Vaidapé, que fazia a cobertura em tempo real do protesto, registrou o momento, dos disparos que podem ser observados a partir do minuto 13 do vídeo abaixo.
A concentração do protesto aconteceu no MASP, onde manifestantes se reuniam e entoavam gritos de ordem, com a presença de poucas bandeiras e grupos políticos organizados. Após decisão do trajeto a partir de jogral coletivo, o ato (que ainda não contava com grande número de participantes) seguiu até a Praça do Ciclista.
Durante o trajeto, o número de manifestantes foi crescendo e, após a chegada ao cruzamento da Paulista com a Consolação, um novo jogral decidiu que o ato seguiria até a sede do PMDB, na região dos Jardins. Neste momento, o Tenente-Coronel Cangerana, PM responsável pela operação, avisou que os manifestantes estavam proibidos de seguir o trajeto decidido pelos presentes por “motivos de segurança”. O PM afirmou que o ato poderia seguir pela Consolação até a Praça da República ou a Roosevelt, no centro da cidade.
“Se vocês querem respeito, eu também quero o respeito. Só faz o seguinte: pega a bandeirinha de vocês e põe o pano branco que eu venho conversar com vocês. Estou aqui para negociar, negociar. Então, onde vocês vão? A questão é que não dá para sair sem a divulgação de um itinerário”
Tenente-coronel Cangerana, responsável pelo policiamento
A partir daí, uma tensão teve início, com manifestantes que desejavam buscar o cordão policial e seguir até o diretório estadual do PMDB, e outros que buscavam seguir o trajeto com o trânsito já interrompido pela PM, temerosos com a repressão iminente e o pequeno número de manifestantes em comparação com o efetivo policial. A manifestação então seguiu unida no trajeto para o centro, pela rua da Consolação, onde no dia anterior a PM reprimiu de forma brutal o ato.
“Nos não temos forca para enfrentar a PM. Não temos essa estrutura, capacidade, nem é de nosso interesse enfrentar o policial. A instituição Polícia Militar, ok, temos as nossas criticas, mas jamais seremos suicidas de partir para cima de um policial. Mas na maior parte das vezes isso não acontece e a gente é reprimido do mesmo jeito”
Caio Villalba, manifestante
Apesar da garantia do comando da PM de que não haveria repressão policial durante este trajeto, a corporação atirou algumas dezenas de bombas em direção aos manifestantes quando o ato chegou na avenida Nove de Julho. Os policiais encurralaram manifestantes e jornalistas, bloqueando todas as saídas pelas ruas adjacentes ao confronto. Neste momento, diversas barricadas foram montadas pelos manifestantes, que atiraram também pedras e rojões em direção aos policiais, e destruíram vidraças de bancos enquanto se dispersavam na correria.
Na Praça Roosevelt, onde o comandante da tropa havia afirmado que a manifestação poderia se encerrar tranquilamente, a PM passou a atirar bombas indiscriminadamente em direção aos bares e pessoas que passavam pelo local, sem ter sofrido qualquer provocação ou tentativa de reunião dos manifestantes.
As várias tentativas de reagrupar o ato foram duramente reprimidas, e manifestantes eram abordados enquanto fugiam, muitas vezes sozinhos, das bombas de gás atiradas pelos PMs. A Vaidapé registrou uma destas abordagens em sua transmissão ao vivo, a partir do minuto 18:46 (confira no vídeo acima).
Em suas edições impressas na manhã desta sexta-feira (2), os dois maiores jornais paulistanos assinaram editoriais salivando por mais repressão da PM aos atos, que classificam como “o prenúncio de uma grave disruptura política e social cuja simples possibilidade é preciso exorcizar.”, segundo o Estado de S. Paulo. Já o texto da Folha de S. Paulo, classifica os manifestantes como “milicianos” e “fascistas”
Em ambos os casos, o texto clama explicitamente por mais repressão, como visto em: “Está mais do que na hora de as autoridades agirem de modo sistemático a fim de desbaratá-las e submeter os responsáveis ao rigor da lei.”, na Folha de SP, e no trecho: “Se as autoridades responsáveis – de modo especial o governador paulista, sempre hesitante nesse assunto – não tiverem a coragem de adotar medidas duras, mas necessárias para impedi-la, essa escalada da violência alimentada pelo ressentimento e pelo revanchismo colocará em risco, real e imediato, as liberdades fundamentais dos cidadãos.”, no editorial do Estadão.
No próximo domingo (4) outro ato contra Temer está marcado para acontecer na avenida Paulista. A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, no entanto, emitiu nota nesta quinta-feira afirmando que não permitirá a realização do protesto por conta da passagem da tocha paralímpica na região.
Não bastando a atuação linha dura da polícia paulista, o presidente Michel Temer autorizou o emprego das Forças Armadas durante a passagem da tocha, em decisão publicada no Diário Oficial também nesta quinta.
Para fechar o cerco militar, alguns dias antes, na mesma data da deposição de Dilma, foi publicado no Diário Oficial de São Paulo a decisão do governador do estado, Geraldo Alckmin (PSDB), autorizando a abertura de 5.400 vagas na Polícia Militar. O concurso pede formação específica em “Polícia Ostensiva e Preservação da Ordem Pública”.
O direito de manifestação encontra-se ameaçado também pelo projeto de lei 325/2016 que tramita no Senado Federal. O PL prevê a aplicação de multas de R$ 3.830,80 para qualquer cidadão que bloquear o trânsito de vias, estradas e avenidas sem autorização. Para os organizadores de protestos, a pena prevê uma multa com valor três vezes maior. O projeto é de autoria do senador Pedro Chaves (PSC-MS).